Maria Eugênia surgiu em minha vida há quarenta e seis anos, como uma estrela sobre um palco de teatro. Falava da geologia do Brasil, das entranhas da terra e da diversidade dos eventos que moldaram nosso território. Sua voz preenchia o auditório com mais de quatrocentas pessoas, e eu, jovem estudante, mal sabia distinguir um granito de um arenito. Mas não importava: o que me arrebatava era sua presença. Linda, elegante, inteligente — e, confesso, perfumada, como o próprio mistério da vida.
Com o tempo, pude conviver com essa mulher extraordinária. Cientista inquieta, generosa, resiliente, determinada. Inspirava-se nas artes, com suas pinturas primitivistas, e na curiosidade insaciável que a levava a reconstituir mundos antigos, ambientes de sedimentação e a própria história da vida no Brasil.
Hoje celebramos não uma partida, mas uma transformação. Maria Eugênia não se vai: ela se acende como estrela, brilhando na constelação dos que espalharam alegria, orgulho e inspiração. Sua missão foi a Paleontologia; sua marca, a amizade.
Carioca, nasceu em 1932, e desde cedo desafiou os limites impostos às mulheres de sua época. Graduada em Ciências Naturais pela Faculdade Nacional de Filosofia, formou-se com ênfase em Petrografia e Cristalografia, e em 1967 especializou-se em Paleontologia de Vertebrados, ambos cursos da Universidade do Brasil. Na década de 1990 consolidou seu amadurecimento acadêmico com mestrado e doutorado, aprofundando estudos em Paleontologia e Geologia das Bacias Sedimentares na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Iniciou sua carreira no DNPM nos anos 1950 e, mais tarde, na CPRM, dedicou-se a pesquisas que iam do ouro à geologia marinha, da paleogeografia do carvão às bacias sedimentares. Em uma época em que poucas mulheres ousavam conquistar títulos acadêmicos, Maria Eugênia escolheu não o caminho da docência, mas o da pesquisa, tornando-se pioneira em projetos que moldaram o desenvolvimento geocientífico do país.
Sua vida foi marcada pela paixão pela ciência e pela família, dois pilares que se entrelaçaram como raízes profundas sustentando sua jornada. Maria Eugênia soube honrar as expectativas de seus pais, mas não se limitou a elas: ousou seguir seus próprios sonhos, abrindo caminhos em um tempo em que poucas mulheres se aventuravam a conquistar espaços na ciência. Como tantas de sua geração equilibrou carreira e lar, mas fez isso com uma força singular, transformando cada desafio em oportunidade de crescimento.
Maria Eugênia, porém, foi além. Não se contentou em ser apenas parte da história: tornou-se protagonista. Intelectual crítica, questionadora incansável, memorialista da ciência, sua presença iluminava congressos, eventos e premiações. Era reconhecida não apenas pelo rigor científico, mas pela generosidade com que compartilhava conhecimento, pela delicadeza com que transformava dados em narrativas vivas, pela paixão que fazia da paleontologia não apenas uma profissão, mas uma missão.
Em cada pesquisa, em cada artigo, em cada palestra, Maria Eugênia deixava marcas de sua essência: curiosidade sem limites, coragem diante das barreiras, e uma fé inabalável na importância da ciência para compreender a vida e o tempo. Sua trajetória não foi apenas acadêmica; foi humana, feita de encontros, amizades e da capacidade rara de inspirar.
Assim, Maria Eugênia transcendeu o papel de pesquisadora. Tornou-se símbolo de resistência e de luz, exemplo para gerações que vieram depois. Sua voz ecoa ainda hoje nos corredores das instituições, nos livros que escreveu, nas memórias que guardamos. E, sobretudo, em nossos corações, onde permanece como estrela guia — lembrando-nos que viver é também ousar, aprender e compartilhar.
Por: Ismar de Souza Carvalho







